quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Je (ne) suis (pas) Charlie



É manhã em Paris. Dois homens encapuzados entram na redação de um jornal e abrem fogo.É um cenário de horror. Trata-se de um jornal satírico francês, o Charlie Hebdo, que em mais de uma ocasião tinha produzido charges ofensivas ao islamismo. 
"Satírico", "irreverente", "à esquerda". Cada adjetivo me joga para um novo plano mental, todos de medo, mas todos vitrais. Quando leio sobre o ocorrido e vejo as opiniões das pessoas, meu raciocínio não segue uma linha, mas sim fica olhando para o mesmo ponto. O ponto central de que, para o terror e a violência não existem justificativas. Mas existem contextos, e eles são ainda mais inegáveis do ponto em que me encontro.

Mas que ponto é esse? 
Estou num país que tem como "irreverentes" nomes como Danilo Gentili e Rafinha Bastos. Então um ataque a um jornal como esse vira munição para toda uma campanha em virtude da liberdade de expressão. Porém  todas as manifestações falham em me convencer. A rapidez com que a defesa da liberdade de expressão se desvela em liberdade de opressão e discurso de ódio sempre me incomodou. O humor satiriza fraquezas, mas as fraquezas estão melhor alocadas quando rimos do opressor e não dos oprimidos. Nesse caso, sinto dizer, para mim, alguém está rindo do elo mais fraco, e esse alguém que ri, é possivelmente membro da classe média européia. Os cartoons não estão rindo da xenofobia e do racismo europeu, estão rindo das crenças de um povo que vive fortes opressões dentro da Europa. A Europa está passando por um momento fortemente xenofóbico. Basta dar uma boa olhada na Alemanha, na qual têm crescido o número de passeatas contra o islamismo e no qual a presença de muçulmanos no país têm gerado fortes ameaças aos seus direitos políticos.
Meu twitter parece inundado de #JesuisCharlie (eu sou Charlie). Vindo de humoristas e escritores dos quais gosto. E aí me assusto. Essas pessoas estão constantemente dizendo que não vêem graça em piadas contra negros, mulheres (em especial aquelas que se declaram feministas), e outros grupos "minoritários" (ainda que só no plano representativo).
O que muda aqui? É por se tratar de uma religião? As religiões são instituições fortes, mas nesse caso, parece que muitos dos cartoons não estão necessariamente conectados ao islamismo enquanto religião e sim aos muçulmanos. É uma dupla ridicularização. Daí me parece louco exclamar que "somos Charlie" e que os cartunistas eram gênios quando eu ficaria terrivelmente ferida com cartoons que "satirizassem" religiões afro e já fiquei terrivelmente ferida ao ver um cartoon no qual uma mulher negra dá a luz uma criança que já nasce de "máscara" ou seja, já nasce bandido.
Então o que quero dizer é: Essa faixa gigantesca na qual lê-se "LIBERDADE DE EXPRESSÃO" está sobre a cabeça de quem? Quem pode mesmo falar? Provavelmente não serão os/as homens e mulheres muçulmanos/as. 


A Katherine Kross fez um post muito bom no Feministing sobre tudo isso e acho bacana ler. Destaco duas coisas importantes que ela comenta e que acho bom trazer para cá são:

1) Se como eu já disse em cima , quem ri não são os muçulmanos e sim a classe média européia estes não possuem o lugar de "produção do discurso". Menos ainda nesse momento. Espera-se deles, a condenação do evento e o silêncio subsequente. Nada de críticas.

2) Danilo Gentili uma vez disse essa frase, que é tão lamentável quanto toda a carreira dele: "Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?" .
Acontece com frequência no humor,que o discurso e as palavras começam a se tornar duas coisas ao mesmo tempo. Em um momento eles são armas contra os terroristas que ameaçam a liberdade de expressão e no outro momento são só "palavras inofensivas", "brinquedos" que não deveriam causar tanta comoção. 

Nada justifica a violência, vocês sabem, eu sei. Mas no caminho da REAL liberdade de expressão,tem muitas pedras, algumas delas não são o que parecem e temos que ter muito cuidado para não guardar como preciosidades exatamente as pedras que nos dão calos e nos ferem a alma. 






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